Apresento aqui alguns fundamentos que situam o PENSAR que me ocorre no campo da filosofia, da ecologia e da produção de saberes, sustentam INQUIETAÇÕES e meu modo de ver o mundo, dialogam com pensamentos espontâneos que surgem a partir das constantes reflexões advindas das experiências de minha vida em processo, e CONVERGEM no ponto do momento presente, que manifesta esse espaço de comunicação com o público alinhado.

O que
é Ecosofia

Um Devir* Ecológico

* devir = 1. Vir a ser, tornar-se, transformar-se 2. Fluxo permanente, movimento ininterrupto, atuante como uma lei geral do universo, que cria e transforma todas as realidades existentes; vir a ser.

A Ecosofia como proposta nasceu num contexto de crise do antropocentrismo e da urgência de uma visão transdisciplinar entre os saberes, e que fosse inclusiva dos demais atores coabitantes da biosfera que não apenas humanos, como os vegetais, minerais, animais, bem como seus elementos (terras, águas, rios, ares, mares…).

O conceito tem origem nos anos 60-70 juntamente com o movimento da ECOLOGIA PROFUNDA e do ECOFEMINISMO, e vem pensar o Sistema Ecológico numa perspectiva mais global, mais ampla, e não apenas a partir da centralidade do homem, mas sim na interação dos diversos sistemas vivos. Ou seja, uma NOVA ECOLOGIA contemporânea, mais condizente com o contexto atual.

Mas o conceito toma diferentes formas enquanto pensado e a ideia não é fechar uma definição, mas abrir uma discussão para pensar as RELAÇÕES ECOLÓGICAS e suas mudanças no contexto atual, com a forte atuação das redes digitais. 

Em certa instância, ela propõe a reconciliação entre SOCIEDADE, CIÊNCIA e ESPIRITUALIDADE através da SUSTENTABILIDADE e da integração de quatro áreas do saber – científico, emocional, prático e espiritual, para se fazer uma REVISÃO de VALORES, um exercício individual de AUTOCONHECIMENTO e interiorização que busque a potência singular, o propósito ou missão de vida que seja motor da mudança do paradigma social, a nível individual inicialmente.

A tecnologia pode ser vista como um quinto campo importante, que remete à tecnologia digital conectiva, pois cria o ECOSSISTEMA DIGITAL (sistemas informativos para a sustentabilidade), onde tudo se informa e articula. Então temos ali a articulação de distintas realidades sobre pegada ecológica, impacto ambiental, práticas positivas, projetos de recuperação, etc.

É mais que evidente que estamos no LIMITE dessa MUDANÇA de PARADIGMA social-ambiental-político-emocional-espiritual. O modelo moderno de produção e consumo, que lamina a sociedade cultural, política e economicamente está RUINDO e não haverá prosperidade nesses moldes ambientalmente insustentáveis.

O ônus tem sido muito maior do que o bônus.

Dizer que a DESTRUIÇÃO EM MASSA dos seres vegetais e animais do planeta justificam um suposto “desenvolvimento” significa ignorar que o mesmo nos conduz a extinção do ser humano, por destruir nossas “casas” (território-corpo-casa-planeta).

Novos modelos de prosperidade e desenvolvimento devem ser imperativos, mas a depender da humanidade esse processo será muito lento em relação ao COLAPSO em curso, talvez represente gerações que não temos, segundo os cientistas do clima há anos vem informando. Assim, além de uma nova geração mais INTELIGENTE e CONSCIENTE, contamos com a tecnologia como única possibilidade rápida de resolução e reversão de fenômenos. Daí falamos de INOVAÇÃO na EDUCAÇÃO planetária, na difusão de informações, na produção de energia, na distribuição de recursos, na reciclagem, na restauração dos tecidos planetários e dos tecidos corporais, ou seja, no RESTABELECIMENTO da SAÚDE.

Assim…

Ecosofia é o semear de uma NOVA CULTURA RELACIONAL entre tecnologia-sujeito-território, mais CONSCIÊNTE, inteligente, promovendo um tecido social interconectado, mais lúcida do panorama coletivo global, que tira o ANTROPO do centro e coloca o TERRITÓRIO CONECTIVO sem um centro único no lugar.

Nesse contexto, Ecosofia não pode ser fechada em um campo disciplinar, num conceito, no sentido de concepção definível, que finda em si mesma.

Porque se trata de uma PROPOSTA de ENTENDIMENTO do PROCESSO infinito de ideação, de percepção do mundo, de pensar os fenômenos todos, sejam eles manifestos na matéria ou imanifestos (não passiveis de percepção sensorial objetiva).

Eu particularmente, visualizo esse processo como uma MALHA MULTIFACETADA de IDEIAS, tão diversa quanto a imaginação possível, quando a malha neuronal, quanto as MICORRIZAS no solo da floresta, sobre as complexas visões subjetivas do entendimento da casa-corpo-planeta, territórios habitados ou habitáveis.

Assim, a Ecosofia propõe abrir-se conceitualmente à COMPLEXIDADE inerente ao existir, para além do CARTESIANISMO base das ciências contemporâneas, que limitam e delimitam as relações entre os fenômenos-seres, ao se fixar no princípio da causalidade, entre modelos dualísticos e lineares, sujeito e objeto, padronizações, modelagens, oposições, afirmações.

 

Sob o meu ponto de vista, a Ecosofia é um CONVITE para o mundo, de um olhar mais profundo e sensível para os fenômenos da existência;

uma escuta do silêncio (OM) que a natureza entoa enquanto movimenta infinitamente seus processos de transformação de uma coisa em outra, sem cessar.

um farejar da teia conectiva relacional entre todos os seres que coexistem no instante-tempo-espaço (facilmente percebida pelo advento das tecnologias digitais, redes neurais, micorrizas, ciclos elementais).

um tornar palatável da expressão autêntica dos seres no mundo.

é pensar o sujeito não mais como separado da natureza, olhando para ela (olhar antropocêntrico), mas sim, dentro dela, parte integrante, interativo, imersivo, conectado.

Isso só é possível manifestar numa dimensão ecológica profunda e a meu ver, FEMININA, não no sentido etimológico, mas no sentido de receptivo, introspectivo, intimidade com o escuro, o profundo, o silêncio, o permitir ser, o entregar e confiar no fluxo natural das manifestações materiais e imateriais da vida, do não superficial, do artístico, ético, fluído, poético, líquido.

O convite da Ecosofia seria então, a substituição de uma visão de mundo ANTROPOCÊNTRICA hierarquizada MECANICISTA cartesiana LINEARIZADA homogeneizada PASTEURIZADA na relação do homem com a natureza, por uma rizomática, interconectada, potencializada, sustentável, pluralizada, múltipla, diversa. Uma cultura de rede de alta complexidade e por isso singular, tendo o ser humano como pontos dessa malha e não o centro.

Segundo Otto Sharmer seria o “ego-system versus eco-system”.

 Ecosofia também não se limita à uma visão biocêntrica da vida, que coloca a vida do ser humano e dos demais seres vivos semelhantes num pé de igualdade, mas se aproxima mais de um pensar ecocêntrico, onde o planeta-casa-eco tem maior importância, já que é a rede na qual todos os seres estão imersos. Mais ainda, a Ecosofia pensa a sociedade e suas relações a partir de uma desconstrução de um suposto “centro”, já que o que há na totalidade é difuso, é processo, é fluxo, então não gira em torno de um único centro, se apresenta naturalmente como fractal.

Anarquia

A autoridade sustentável

Anarquia tem por definição ser um “sistema político baseado na negação do princípio da autoridade”, ou “estado de um povo que, de fato ou virtualmente, não tem mais governo”, ou apenas “desordem”. Um sistema “fora do sistema” que defende a socialização da propriedade privada, dos meios de produção, da autogestão econômica.

O termo aqui, usado como princípio fundamental nesse espaço de encontros, ganha outro corpo quando considera a “micropolítica ecológica” um caminho direto à quebra das estruturas vigentes, que já colecionam mostras de suas insustentabilidades, no cerne capitalista-patriarcal.

Vou além no sentido de pensar a anarquia no âmbito pessoal, onde só existe alguma liberdade possível na autonomia do respeito rigoroso à autoridade interna, à intuição, à sensibilidade de cada ser humano no que diz respeito às suas escolhas, saúde, estado emocional, e outros âmbitos do Ser.

Então, tenho na anarquia a convicção de uma possibilidade de fato empoderadora dos indivíduos e, portanto, do seu coletivo, a sociedade. Porque acredito que ninguém pode saber mais sobre alguém do que ele mesmo, ninguém pode ser então, autoridade sobre este. Quando isso acontece, há perda de poder daquele que se submete, gerando submissão e abuso.

Falo aqui de um “anarquismo ecológico”, no sentido mais amplo de ecologia, pensada como “ as muitas casas que habitamos”. Casa do SER (corpo), casa do GRUPO nuclear (moradia), casa de TODOS (planeta). O “anarquismo ecológico” seria aquele onde cada ser que habita um CORPO-CASA-PLANETA e compartilha espaços com outros corpos, segue uma dança harmônica que percebe e respeita os limites que o separa e os amálgamas que o une, com base na empatia das relações, e não necessita de um “pater” que governe sob regras que não fazem sentido aos que estão sendo governados.

Ao contrário do que se pensa, isso não é gerador de caos, isso organiza.

Mas só organiza quando todos os seres reconhecem a interdependência que vos é inerente. Pois num mundo onde toda matéria é, em algum nível, feita da mesma substância (em termos de partícula e energia, pelo menos), tudo que existe SE AFETA. Então, tudo que acontece com o outro, acontece comigo. Assim, reconheço no outro, seja ele pessoa, animal, vegetal, mineral ou “coisa”, um ser digno de empatia, de cuidado, de respeito, de espaço, tanto quanto eu.

Eu particularmente, não penso o anarquismo com base nas correntes literárias que o classificam em coletivista, comunista, individualista, mutualista ou social. Eu penso num anarquismo anarquista, sem correntes, sem divisões. Poderia chamar de “anarquismo organicista” talvez, ou “anarquismo ecológico”, porque este termo abarca tudo que existe por si só. E organicista estaria se referindo aquilo que é “orgânico”, natural, puro, vivo.

Se observarmos a natureza como ela é, aparentemente caótica, desordenada, quase sem formas retas e contornos “perfeitos”, vemos que existe uma outra ordem que nos supera na compreensão mental-racional. Nas florestas, as árvores se valem de diferentes estratégias para conservar uma mesma economia nutricional que garante sobrevivência e vida próspera, saúde, longevidade, reprodução. Criam meios diferentes entre elas para salvar recursos, se comunicar, preservar nutrientes caros e utilizar de modo racionado em tempos de pouca disponibilidade natural.

Então a natureza tem sim uma ordem própria. Uma ordem marcada por tamanha complexidade que não coube, até o momento, em nossas limitadas vias mentais, compreendê-la minimamente a ponto de respeitá-la e honrá-la como nossa única casa possível.

No que eu chamo aqui de “anarquismo anárquico-organicista-ecológico”, o que há são fluxos, pulsos vitais que obedecem à ORGANICIDADE, à NATUREZA, aos CICLOS a que todos estão submetidos, submersos, imersos, à não-linearidade dos eventos e fenômenos, ao existir como PROCESSO, à impermanência da matéria, ao surgir dos fatos conforme uma música que não escutamos, mas dançamos, e que pode ser entendida como uma “ordem superior”, divina, maior: imperceptível talvez, mas imperativa por certo. Uma ordem aparentemente caótica, mas que organiza conforme lógicas que escapam à nossa humilde tentativa de entendimento. Uma lógica auto gestada, que pode ser sentida, mas nem sempre compreendida. Que impera sobre qualquer regra criada pelo homem e suas instituições. E que faz e realiza perfeitamente bem, algo que no julgamento institucional, hierárquico, dominador, opressor, autoritário, é imperfeito, então precisa de governo, de conserto, de regra, de limites, de CONTROLE.

Proponho um anarquismo que se inspira na fluidez das águas de um rio, que contorna pedras e obstáculos por caminhos não determinados, seguindo fluxos e refluxos para chegar ao seu destino da forma mais perfeita e natural, pelo caminho mais fácil e fluido, o caminho sem esforço, sem resistências.

Micropolítica

Ser, sem se submeter

No descomeço era o verbo.

Só depois é que veio o delírio do verbo.

O delírio do verbo estava lá no começo, lá onde a criança diz:

Eu escuto a cor dos passarinhos.

A criança não sabe que o verbo escutar não funciona para cor, mas para som.

Então se a criança muda a função de um verbo, ele delira.

E pois.

Em poesia que é voz de poeta, que é voz de fazer nascimentos

O verbo tem que pegar delírio.

As coisas não querem mais ser vistas por pessoas razoáveis.

Elas desejam ser olhadas de azul

Que nem uma criança olha você de ave.

Poesia é voar fora da asa.

 

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Manoel de Barros

Uma didática da invenção (trechos)

(O livro das ignorãças, 1993).

Micropolítica é o próprio processo de produção de subjetividades a partir das relações de poder, inerentes ao conviver entre seres, pensada como base das relações sociais para a produção do cuidado e gerenciamento da saúde pessoal, coletiva e ambiental.

Nesse contexto, a micropolítica é composta pelas escolhas que fazemos no dia a dia, sobre o que consumimos, com quem nos relacionamos, que locais frequentamos e como cada uma dessas escolhas produz afetos, em nós, nos outros e no meio em que vivemos.

Pensar em locavorismo (consumir de pequenos produtores da região), permacultura, agrofloresta, grupos de estudo, artesanato e outras manualidades, recriar na prática o conceito de tribo, coletivos, associações, cooperativas, comunidades, autarquia, autossuficiência e sustentabilidade. Observar e realinhar aos ciclos da natureza, ao ritmo mais lento de se fazer as coisas, ao contemplar, ao viver sem apenas sobreviver. Todo esse refletir e o fazer diferente a partir disso nos conduz à caminhos alternativos e mais integrativos à imposição sistemática capitalista que oprime as singularidades e homogeiniza o pensar, atropela as diversidades humanas, pasteuriza nossas criatividades, nossas subjetividades.

Só assim podemos voltar a articular nossas diferenças sem necessidade de autoridades externas intermediando e ditando as regras, sem alienar a nossa força de trabalho, nossos corpos, pensamentos, criatividade, relações. Assim podemos assumir a política que existe no ato de CUIDAR DE SI mesmo para então poder cuidar do outro e do meio, assim resgatamos a INDEPENDÊNCIA, a horinzontalidade, auto RESPONSABILIDADE e a AUTONOMIA, voltando à dança natural de se AUTOGOVERNAR insubordinado ao capital, sem acreditar e se curvar à crença da escassez que ele carimbou nas nossas peles.

O Ser micropolítico recusa a usar o uniforme da escravidão velada que até hoje acorrenta as almas humanas, nega a ideia de prosperidade atrelada exclusivamente ao dinheiro e se firma na riqueza que é se conhecer, cuidar da própria saúde, ter paz interior, ser a maior autoridade em si mesmo, fluir livremente pela vida, se relacionar sem amarras de regras ditadas, quebrar a corrente de taxações que o Estado impõe a cada ato que não participa, não governa, não planta, mas pega o seu pedágio e segue imperando a humanidade em seus moldes autoritários.